quinta-feira, 11 de março de 2021

TUDO É UM ENIGMA



 não parei pra ouvir o vento

nem mesmo soltar o redemoinho de areia ou o sacrifício da dor

não houve o tempo das lamentações e

nem duvidei do gosto da sopa ou

da chuva ácida que guardei dentro da mala


tudo é enigma

e as dores nada mais são

que alimento pra alma enquanto a carne se liquefaz

na brutalidade dos manguezais


jamais a covardia me feriu

e com suas patas de cascos fendidos

passou rente não deixou rastros

porquê não era nada

nada além da covardia que estanca o olhar

mas não impede a visão


os idiotas mantém a lucidez na prenhez das ideias

e dirão verdades em poemas concretos

sem que nunca seja preciso mais que um rabisco

numa folha ou num saco de pão


as migalhas enchem o papo dos pombos

e as estatuas defecadas em seu silêncio imaginário

engolem o rubor nas faces brancas de guano

enquanto canhões lançam balas incendiarias


os mortos se levantam famintos

agitando xales de teias de aranha

como bandeiras tremulantes

em busca da liberdade e canções profanas


restam as brasas e o calor e o vento lunar

e o Sol que conhecerá os meus dias finais

porque eu nasci num ciclo dentro de outro ciclo

que nunca termina numa estrada por onde rodam

ônibus e carros levando em suas corcundas

a negritude da palavra vã.




imagem: Juan Cañete



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