sábado, 9 de junho de 2018

NÃO CONTE A NINGUÉM



Por fim, ele chegou. Esteve comigo da mesma maneira quando ainda éramos pó das estrelas e resignados nos olhávamos em silêncio. Mais do que nunca pareceu-me um homem e a sua voz era um lamento e não uma vingança. Desatei a minha alma e sem mais tempo adentrei seu olhar de infinitas viagens.

_Eras tu?


Uma ou duas vezes, não sei ao certo, olhamo-nos como se fora a primeira vez: a primeira palavra dita, a primeira liberdade, a primeira vontade de não mais estar só. Jamais houve algo diferente disso e a despeito de tudo, somos a descoberta da verdade de existir profundamente na conformidade de cada dia, a divindade do que somos um no outro – a mesma presença.

_ Então tu também vens do céu?!


Reler as últimas lembranças, repentinamente nos leva a emudecer a palavra sem que haja a necessidade de explicação. Há um lado de engenhosas tramas e ardis e um princípio de convulsões sem que o mundo a nossa volta seja uma provação ou o término da comunicação entre a sua alma e a minha. Por isso fui visitá-lo, ansiava pelo pacto reformatório preestabelecido enquanto o Tempo nos mantinha suspensos.

_Voar sobre as montanhas e nuvens de algodão?

Não há um lugar que seja infinitamente longe, não há uma felicidade que não seja celebrada entre o por do sol e o nascer do dia. E todas as suas palavras foram escritas na minha pele, para que eu pudesse sentir a sua presença e estimular a nitidez de cada beijo até que nossos lábios ao se tocar, puderam saciar a carência de nossas almas afins.

_Onde se encontraria?


Nenhuma janela ou porta foi fechada à nossa passagem e nenhum sonho se dissolveu de forma irracional e distorcida da nossa vontade de ser e existir um no outro. Celebrei o seu corpo olhando-nos no espelho e não isoladamente numa busca infrutífera de felicidade irrisória.

_Tens sonhos? 


Quando te ocorreu caminhar os caminhos da minha alma, todos os nossos instintos foram avivados e não era a primeira vez que somos um, na necessidade do espírito e da tolerância da carne, por que o amor é mútua condecoração. O Amor se renova e se aquieta na vestimenta da palavra dita.

_ Queres caminhar ao meu lado? 


É bem possível que eu venha viver os meus sonhos dentro dos seus, e toda naturalidade do meu abraço seja o seu aconchego e a nossas energias interiores se renovem a cada dia porque não podemos mais ficar a meio caminho de uma existência plena. Esta ligado a mim, não apenas uma parte, mas o seu destino e o meu se cruzaram antes mesmo que os nossos olhos se encontrassem e as minhas mãos tocassem as suas.


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sexta-feira, 1 de junho de 2018

PRIMEIRO DIA DE JUNHO




( A lagarta se prepara para metamorfose)


Em minha cela, um verso nasce a cada amanhecer
uma asa de poesia em busca de outra asa...
Será tudo um pesar?...
Um verso inacabado, um patético espetáculo
um sonho que ninguém sonhou?!

Quanto tempo se passou
desde a última primavera?

...a felicidade grávida pariu um sonho além do horizonte
por cima das nuvens do mais branco algodão...

Lavei os meus pés, lavei as minhas mãos, teci o véu que veste o meu corpo
enquanto as portas são lacradas, janelas são abertas e a história é embalada em papel colorido___ fino papel de balas.

Há um encontro, um renascer, uma renda de tramas e nós e no coração de vidro
a alma reluz em miríade de estrelas - constelações - Orion, Pegasos, Leo, Scorpius...

...um fechar e abrir de olhos pelos corredores de minh'alma
e bem longe um jarro e sua única flor...

Duvidei dos deuses e dos poetas e do visgo e da superfície da água.
Será que tudo é apenas um verso?!...

... perverso é o Tempo, ancião alquebrado inexorável aos pedidos e
transverso ao Amor...

Construí mandalas de pedras e fios de sisal, mantive acesa a vela
e sua chama bailarina,
ávida de versos sangrei alegrias misturadas ao pó da terra.
Rezei um salmo a cada dia e tornarei a rezar 
como se  fosse uma coreografia - um eterno bailar
que me liberta e me guarda do fim do mundo.

...uma folha tingida de nanquim é o avesso de mim/ poesia que sou
na transparência de cada olhar...

As pedras sempre existirão porque as serpentes precisam delas aveludas de calor e imóveis quase fincadas no chão. Os sonhos arrefecem os dias passam as folhas caem sem que ninguém perceba. Os amores se despem, os olhares se ofuscam, eu rabisco a minha letra no meu pensamento. Sou alheia, pressinto, rasgo, costuro as pequenas miçangas que enfeitam  o meu testamento. Eu bebo o meu destino como a lagarta que sabe da metamorfose iminente. 

... o coração alado voa e desperta na soleira do amor, imóvel ao vento, calado, não sei nomeá-lo. Perdi o meu endereço, mudei de lugar, estalou um sol no firmamento, um acaso, um desatento pensar. Olho à minha volta, não estou só, há tanto pulsar e o que há de ser antes do recomeço?!...

Um amor quase perfeito, as poucas verdades, as bocas miúdas, o apreço, o ferro quente marcando a pele (bezerros alardeantes) a verdade que eu conheço, a colombina, o poeta arfante, o braço e a razão - o eterno desejo nunca satisfeito. Uma maré lunar, um rio de lava, a paridez da semente, as deusas, o átrio e seu calor, as pedras fumegantes, o ferro fundido, a lâmina, o fio, o corte e o sangue vermelho____adocicado! 

... asas! Asas e a utopia do voo. Nunca haverá outro voo igual. E das poucas verdades que conheço, sei que o espelho dos meus versos é o alinhavo das minhas asas!


Luciah Lopez