Acasos e um grito
Há um vazio em cada esquina.
Portas fechadas,
rostos nas janelas,
olhares enviesados,
ecos das risadas de ontem...
Nossos olhos já não veem o céu.
A poluição não nos deixa vê-lo.
Nosso olfato não sente, senão,
o cheiro de óleo.
As flores não sobreviveram...
E o futuro se adianta...
O gato se acomoda e sonha.
A menina olha o futuro na tela da TV.
Alguém tricota um cachecol.
Um tiro na noite!
Nossa boca não degusta, senão,
pobre guarida.
Não satisfaz.
Enche.
Nossos sonhos:
montanhas íngremes...
picos escarlates...
pontos inatingíveis.
Enquanto houver:
quem veja e se cale,
quem fale e se canse,
e, ao se cansar se esqueça.
Da criança com fome.
Do amor sem guarida.
Da criança sem teto.
Do amor com fronteira.
Do ventre estéril...
E o futuro se adianta...
Um grito.
Não houve um grito de alerta!
Um grito,
só.
Um grito,
simples.
É triste precisar
haver um grito.
Um grito,
não um sussurro!
Um grito com eco e tudo!!!
E o futuro se adianta...
Um grito
das entranhas embriagadas de cachaça.
Único remédio do pobre...
a cachaça.
Para esconder nesta máscara...
a cachaça.
A dor de ver o filho,
sem pão e agasalho.
O teto caindo.
O fogão sem gás.
A mulher cuja beleza,
se a tinha, morreu nos partos.
E o futuro se adianta...
Um grito de lamento:
quem tem nas mãos a decisão
só tem para dizer,
"cada um vive como pode"
e diz na televisão.
Ah! Meu D’us,
essa não!
E o futuro se adianta...
Um grito de desabafo,
no coro do estádio,
ao ver o juiz roubar,
no tempo,
no pênalti,
na expulsão.
E o futuro se adianta...
Um grito ansioso,
triste-alegre
alegre-triste.
E o futuro se adianta
não espera e não gera,
apenas passa por nós arrastando seus
felpudos chinelos de quarto...
Até quando assistiremos inertes?
Romero Bittar
(multiplicação com o poema Acasos de Luciah Lopez)
http://www.talentos.wiki.br/post.php?id=79798
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